Desabafos de uma enfermeira emigrada

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Há quase 6 anos que trocámos o clima ameno do nosso país pelo clima mais fresco da Suiça.
Não sinto falta do nosso país. Não me intrepretem mal. Tenho muitas saudades do nosso Portugal à beira mar plantado, da praia e do verão prolongado até outubro.

Mas não sinto falta do país político, dos contratos de trabalho anuais sem certeza de renovação, do ordenado que envergonha os quatro anos de escola superior e o consequente investivemento pessoal e financeiro. Mais que isso, o ordenado que envergonha a dedicação que cada enfermeiro põe em cada gesto, em cada turno, em cada natal que não passa com a familia, em cada dia da mãe ou do pai que não passa com os filhos.

Não sinto falta de não ter uma carreira, nem perspectivas de evolução na profissão. Não sinto falta de não passar da “cepa torta” tanto em ordenado como no terreno. Não sinto falta de não ter quem defendesse os meus interesses.

Não sinto falta de ter sede de novos desafios e projectos que nunca podiam ser levados a cabo, ora por falta de verba ou simplesmente por falta de interesse das chefias que mantinham uma constante relutância a tudo o que implicava ideias novas e mudanças.

Por tudo isto e mais ainda, vi-me aliciada a embarcar nesta aventura da emigração. Com perspectivas de trabalho com um salario decente, condições de trabalho dignas, valorização. Nestes quase 6 anos na suiça ja fiz mais do que talvez teria oportunidade de fazer em toda uma carreira em Portugal.

Não sinto falta de ser desrespeitada ou menosprezada pelo meu país.

O que eu sinto falta é das pessoas…

Sinto falta das jantaradas com os amigos, e das tardes de verão no “Menino Julio dos Caracóis” ou no “Modesto”. Dos cafés inesperados resolvidos à ultima hora e que eram quase sempre os melhores.

Sinto a falta de abraçar as minhas amigas do coração quando elas me contam que vão casar, e sinto a falta de as poder abraçar no dia em me contarem que vão ser mães.

Sinto falta de telefonar à minha mãe e começar a conversa com um “há jantar para nós?” e acabar com um “então até logo”… sinto a falta do colo dela nos dias mais dificeis, e sinto a falta do seu abraço a cada nova conquista.

Sinto a falta de todos os momentos em que privo os meus filhos da companhia da avó e dos tios.

Sinto a falta das conversas animadas que deram lugar a reuniões no skype muitas vezes conturbadas por problemas na rede.

Sinto a falta de abraçar o meu irmão sempre que me apetece e de lhe dizer cara a cara que é uma pessoa maravilhosa.
Sinto a falta de o poder abraçar no dia em também ele me vai dizer que vai casar…. e eu estarei longe.
Sinto a falta de poder estar ao seu lado no dia em que me vai anunciar que o seu filho nasceu…. e eu estarei longe.

Sinto a falta de todos os momentos em que estou longe e deveria estar presente.

Este é o preço a pagar pela emigração. Este é o preço que pago- as vezes demasiado alto, parece-me – por ter tido a dose de loucura necessaria para deixar tudo e partir. E apesar de tudo não me arrependo!

Parti, não só em busca de uma vida com melhor qualidade para os meus filhos, mas também em busca de uma Enfermagem com a qual me identifico e que me deixa fazer aquilo que sei fazer melhor: Cuidar pessoas!

 

Assim vai a vida… aos olhos de uma enfermeira!

36 thoughts on “Desabafos de uma enfermeira emigrada

      • susana fernandes diz:

        Boa tarde Cátia. Acabei de ler o seu testemunho. Eu estou para ir em busca de uma vida melhor para a Suiça. Fiz um curso de francês desde janeiro e comecei á procura de trabalho em Enfermagem na qual tenho tempo de serviço desde de Junho mas ainda não consegui nada apesar das varias tentativas. Tenho também dois filhos um com 5 anos e outro com 27 meses. O que me diz. A zona é Nyon. Bjs

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      • Catia Godinho diz:

        Susana está mais dificil agora do que quando cheguei há 6 anos atras. Neste momento ha muita oferta, e eles começam a ser mais rigorosos, a começar pela lingua. Mas dificil não é impossivel! Experimente começar pelas agências de trabalho temporario, acabam por ser muitas vezes uma boa porta de entrada! 😉
        Muita sorte para esta nova etapa!

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    • Catia Godinho diz:

      Não ha sitios perfeitos, até porque o aumento das nossas expectativas é directamente proporcional às condições que temos, e é isso que faz o mundo avançar. Na suiça não encontrei a enfermagem perfeita, mas será que ela existe mesmo?? Na suiça tenho um salario bruto 6 vezes superior ao que tinha em Portugal. O custo de vida é bem maior, sim, mas o resultado da equação continua largamentr a favor da suiça. No primeiro serviço por onde passei propus-me elaborar um projecto, tive luz verde, e esse projecto valeu-me o cargo de enfermeira de referência do hospital em materia de maus tratos infantis. Tudo isto permitiu-me negociar o salario quando mudei de serviço, e aqui propuseram-me desenvolver o mesmo projecto que no primeiro serviço. No tempo que trabalhei nas urgências nunca fui responsavél por 30 pacientes ao mesmo tempo, tinha-mos sempre a cota de enfermeiros estipulada por turno, nunca me faltou material para trabalhar. Se encontrei uma enfermagem muito mais respeituosa? Sim, encontrei. Mas também não sou o tipo de pessoa que fica a espera que as coisas caiam do céu. Saí de Lisboa a falar o minimo de francês, menos de dois anos depois posso dizer que era considerada bilingue. Luto pelo que quero e pelo que acho correcto e quando não estou bem procuro mudar. Se não se pode agradar a todos? Não! Se tive sorte nos sitios por onde passei? Talvez. Mas a verdade é que me sinto muito bem aqui e não penso voltar 🙂

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      • Andreia diz:

        Por aqui completei três anos 😊
        Rescindi contrato em Portugal no momento em que me anunciaram que ia novamente trocar de serviço para “tapar buracos”.
        Confesso que me deu imenso gozo fazê-lo. Mas era algo já planeado há meses.
        Não estou arrependida. Mas o que mais me custa é privar a minha filha dos avós e dos tios.
        Boa continuação

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      • Catia Godinho diz:

        É isso que as vezes faz balançar o coração… porque a razão essa não balança 🙂
        Um grande abraço!!

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      • Beatriz diz:

        Ola 🙂 sou enfermeira recem licenciada e também vou a procura de uma vida q infelizmente portugal nao me pode proporcionar.
        Gostaria de saber como é ai a enfermagem? Os turnos? As equipas? Funcionamento? Que feedback me pode dar…
        Obrigada!

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  1. Mónica diz:

    Como te compreendo. Eu fiz o caminho no inverso…. Quando a enfermagem estava num momento próspero emigrei, e a 12 anos voltei para Portugal…. O que eu daria para fazer a máquina recuar no tempo! Aproveita isso tudo são aprendizagens pessoais e profissionais que nos fazem crescer como pessoais. Boa continuação

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  2. PEDRO diz:

    Após 24 anos de urgência / emergência, hospitalar e pré hospitalar. Pós graduações e “pseudo especialidades” (não reconhecidas fora) revejo-me em cada letra das suas palavras!
    Obrigado pela partilha.
    Obrigado pela coragem do ser, saber e querer.

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  3. Art´Isa diz:

    Como mãe de uma enfermeira emigrada na Suiça, entendo bem do que fala.Desejo o melhor do mundo para si e para todos os que procuram uma vida melhor longe dos seus.~Isa

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  4. angelatomas diz:

    Não existem “cópias” de vidas ás quais queiramos copiar! Cada ser humano tem a sua história, a sua forma de encarar desafios…nenhuma conquista nossa é igual á dos outros…no entanto existe algo em que acredito…devemos sempre correr atrás daquilo que nos completa, dos nossos projectos, sonhos, aventuras. mesmo que, aos olhos dos outros parece uma loucura!!
    Acreditar que deixar a nossa zona de confronto nunca é facil…existem dias de profunda tristeza, onde chegamos a por tudo em causa…mas ainda bem que ficam só por breves horas!
    Parabens a todos aqueles que embarcam nesta vida na sua plenitude e tem a abertura de espirito suficiente para se adaptar a novos desafios…
    Não se trata propriamente da profissão, mas na capacidade do desafio!

    Angela Tomas
    Inglaterra

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  5. Mauro Henrique diz:

    Lindas palavras Catia, eu estou emigrado em Malta ha cinco anos e estou a adorar… sinto saudades identicas ‘as tuas, do que deixei em Portugal mas nao me arrependo de nada… desejo-vos muita sorte e se tiverem vontade de vir ca passear, apitem! Um abraco. Mauro

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  6. Americo Torres diz:

    Sou tambem emigrante na Inglaterra. Professor secundario e com uma filha parteira. Comprendo perfeitamente o que dizes embora muita da saudade de pessoas está grandemente atenuada por ter aqui mais de 100 amigos portugueses a viverem na mesma cidade para alem de meus sogros. Só falta a minha mae e dois irmaos! De resto, em relacao a oportunidades e qualidade de vida, nao existe comparacao possivel. Sempre que vamos a Portugal no verao recarregamos as nossas baterias solares e culinarias! Obrigado pela partilha.

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    • Catia Godinho diz:

      Tem razão o dinheiro não é tudo. Mas não deixa de ser graças a ele que ponho comida na mesa para os meus três filhos. Mas não é só por dinheiro. Os meus filhos chegam à escola descalçam os sapatos e calçam pantufas, as escolas são aquecidas, não chove ao lado dos livros. Se os meus filhos ficam doentes eu ligo ao pediatra e no proprio dia ele recebe-os. Os meus filhos fazem desporto – futebol e ginastica – onde as cotas são o equivalente a 100€ por ANO. Os meus filhos têm uma mãe que por fazer turnos longos de trabalho só esta fora de casa cerca de 9 dias por mês, o resto do tempo é deles. Não se emigra só por dinheiro, mas “qualidade de vida” é uma coisa subjectiva, logo o que para si é qualidade de vida pode não o ser para mim, e vice-versa 🙂

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    • Catia Godinho diz:

      Sara emigrei porque quis, certo. Mas principalmente emigrei porque aquilo que o nosso país tinha para me oferecer a mim e aos meus filhos não correspondia de todo ao que eu procurava. No entanto como em tudo na vida ha um lado positivo e um lado negativo, e é ao por as coisas na balança que se percebe se o lado positivo compensa o lado negativo. As saudades das pessoas são o que me mantém ligada a Portugal.
      Eu amoooooo o meu trabalho, no entanto isso não impede que no final de um turno de 13h eu diga que estou cansada! Eu adoroooo sardinha assada, no entanto isso não impede que eu me queixe das imensaaaas espinhas que tem uma sardinha. Eu ADORO a minha vida, no entanto isso não me impede de sentir saudades (muitas!) de quem deixei para tras… 🙂

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      • Isa diz:

        Tenho um irmão na Suíça e vou la frequentemente . Adoro a Suíça, país maravilhoso. Também sou enfermeira em Portugal há anos , várias áreas pelas quais já passei e tal como diz , não saio da cepa torta . Estou a melhorar o meu francês para emigrar para aí . Poderemos combinar um café 🙂 o meu irmão vive em Lausanne

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  7. Monica Vieira diz:

    Olá Cátia, obrigada pela sua partilha.
    Há cerca de 4 anos também eu troquei Portugal pela Suíça em busca de qualidade de vida e de um futuro menos incerto.
    A Enfermagem na Suíça está longe de ser perfeita mas em Portugal parece ir de mal a pior.
    Compreendo-a inteiramente quando fala desse sentimento tão nosso – a saudade – e das perdas que estão implícitas quando embarcamos neste tipo de “aventura migratória”.
    Eu também senti e sinto falta da família, dos amigos e de coisas tão simples quanto poder ir ver o mar sem ter de fazer centenas de kms…mas também para mim o balanço continua a favorecer a Suíça…
    Admiro-a por ter ousado arriscar e procurar algo melhor mesmo sem dominar a língua francesa.
    Desejo-lhe tudo de bom para si e para os seus.
    Se vier a Sion dê notícias 🙂

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  8. Filipa diz:

    Queria deixar aqui os meus parabéns e admiração por ter tido coragem para fazer o que muita gente de veria fazer em vez de ser explorado e denegrir a profissão na expectativa de uma oportunidade que nunca vai surgir. Muita força e felicidades!

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